Se Chinita Ullman foi a primeira precursora da Dança Moderna no Sudeste e, provavelmente, no Brasil, seu movimento não foi isolado. Em sua Porto Alegre natal, Lya Bastian Meyer, nome artístico de Eliane Clotilde Bastian Meyer, nascida na capital gaúcha em 1911, começou sua carreira com noções de ginástica rítmica obtidas em sua cidade com a professora Mina Black. Apoiada pela família, viajou para a Europa, mais precisamente para a Alemanha, onde iniciou seus estudos em Ballet Clássico e, posteriormente, em Dança Moderna, com Mary Wigman. Em 1932, fundou em Porto Alegre a Escola de Bailados Clássicos Lya Bastian Meyer, que, a partir de um decreto oficial de 1943, fez sua escola ser a única escola oficial de Dança do Estado do Rio Grande do Sul. Durante sua trajetória de quase trinta anos como mestra (encerrou suas atividades artísticas em 1959), contribuiu imensamente para o desenvolvimento da Dança, tanto Clássica quanto Moderna, no Sul do Brasil.
No final da década de 1930, mais precisamente em outubro de 1939, foi fundada, no Rio de Janeiro, a Escola Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil (ENEFD). A importância desta escola, que foi a primeira escola civil de Educação Física do país, em relação à Dança Moderna, deu-se com a nomeação de Maria Helena Pabst de Sá Earp(1921?) para a cadeira de Ginástica Rítmica. Maria Helena, ou Helenita, como ficou conhecida, natural de Rio Claro, São Paulo, fez, junto com outros precursores da Educação Física brasileira, um “curso de emergência” de alguns meses de duração, oferecido pela Escola de Educação Física do Exército no Rio de Janeiro, para que fosse composto o corpo docente da nova escola em formação. Nomeada por Getúlio Vargas, Helenita Sá Earp, ao lado de nomes como Maria Lenk e Cacilda Niemeyer, começou a lecionar na escola com a tenra idade de 18 anos.
Logo de início, formou um grupo de alunas para suas demonstrações. Algumas destas primeiras alunas vieram a se tornar professoras assistentes da escola, como Glória Futuro Marcos Dias (1923) e Myda Maria Sala Pacheco (1928), bem como membros do grupo permanente (criado em 1943) da cadeira de “Ginástica Rítmica”, que, depois de certo tempo, passou a se chamar “Rítmica” e, somente muito tempo depois, consolidou-se como “Dança”. Porém, a despeito do nome, desde seus primórdios, a disciplina lecionada por Helenita Sá Earp possuía conteúdos de Dança Moderna, ela própria tendo sido fortemente influenciada pelos conceitos filosóficos de Isadora Duncan, além dos elementos teóricos e técnicos de Rudolf Von Laban e da Euritmia de Émile Jacques-Dalcroze, segundo conta num artigo seu publicado pela revista “Força e Saúde”, de novembro de 1946, intitulado “Rítmo e Dança”:
“Baseado nos rítmos emocional e físico Rudolf Von Laban criou sua escola de dança moderna, realizando tecnicamente o que Isadora Duncan imaginou romanticamente. A teoria de V. Laban calcada na tensão e no relaxamento (spannung und anspannung), contribuiu poderosamente para a formação de uma dança educacional, em que se desenvolvessem os valores naturais do rítmo. (…)
Vários autores, entre eles Elizabeth Selden e John Martin, referem-se ao rítmo dinâmico. Dizem eles que este resulta da conversão do movimento contínuo, base do natural em substância da dança. A ele se chega, por uma escada cujo primeiro degrau é o rítmo musical. Daí a necessidade de se desenvolver esse sentido básico; Dalcroze presta serviços inestimáveis com o método que denominou de ginástica rítmica. Compreendo o alcance do método Dalcroze e as possibilidades educacionais da teoria de V. Laban é que se fundiram estas duas doutrinas, surgindo a ginástica rítmica, tal como se ensina na Escola Nacional de Educação Física.”
Tais aspectos estiveram sempre presentes nas inúmeras composições coreográficas do grupo, que, com o patrocínio do Ministério da Educação e Cultura (MEC), começou a se apresentar em diversos estados brasileiros, em congressos e no “Plano de Ação Cultural”, em que Helenita, além de apresentar espetáculos, ministrava palestras ilustradas e aulas públicas.
Em 1951, através de um convênio entre o MEC e a UNESCO, o grupo partiu em excursão para os EUA, onde se apresentou no circuito universitário norte-americano, passando por 25 instituições de ensino superior, sem contar com uma apresentação na sede da UNESCO, em Washington. Os recortes de jornais locais da época, preciosamente guardados pela professora Glória Futuro Marcos Dias, atestam o sucesso de um grupo tecnicamente forte, coeso e de repertório rico e variado, num acontecimento até então inédito para a dança como um todo no Brasil.
Entre 1959 e 1960, Helenita passou quase um ano nos EUA, onde fez cursos com diversos expoentes da Dança Moderna norte-americana, como José Limón, Martha Graham, Betty Jones, Merce Cunningham, Hanya Holm e Alwin Nikolais, nos cursos de verão do Connecticut College e nos cursos livres da cidade de New York. Logo após seu retorno, em meados de 1960, o professor e coreógrafo José Limón, com quem teve contato nos EUA e que por aqui estava para a apresentação de sua companhia no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, foi pessoalmente conhecer o seu trabalho na ENEFD e lhe teceu, emocionado com o que viu, enormes e gratificantes elogios, segundo artigo de página inteira do jornal “Correio da Manhã”, de 21 de maio de 1961. Aliás, neste artigo, Helenita Sá Earp é apontada como um dos grandes nomes da Dança Moderna no Brasil, com um trabalho considerado “perfeito”:
“É necessário conhecê-la, aplaudí-la , admirá-la: Helenita Sá Earp, uma idealista.”
Já nesta época, segundo outro artigo da revista “Visão”, de 9 de junho de 1961:
“A cadeira de Dança Moderna, introduzida no Teatro Municipal do Rio de Janeiro por Madeleine Rosay, com o apoio da Comissão Artística do Teatro, está sendo ocupada por Helenita Sá Earp, que com seu entusiasmo e experiência de vinte anos tem atraído atenções gerais para o seu trabalho.”
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