Entre 2003 e 2005, empreendi uma extensa pesquisa, intitulada “A Dança Moderna no Brasil, um Panorama Histórico”, em que entrevistei e mapeei a atividade de Dança Moderna no país, desde os seus primórdios até aquele momento.
Publicarei alguns trechos desse meu trabalho por aqui.
Segundo as bailarinas e professoras Clarisse Abujamra e Daniela Stasi (que lecionam a Técnica de Martha Graham há muitos anos em São Paulo), em seus depoimentos para este trabalho (e que têm bastante em comum) , na formação de um bailarino, é necessária a presença de pelo menos um aspecto “ortodoxo” em sua trajetória. Mais precisamente, que ele se possa chamar “especialista” em pelo menos uma técnica de sua formação. De outro modo, como seria possível experimentar este ou aquele caminho? Mesmo para que se possa negar uma determinada técnica, é essencial experienciá-la em seu âmago e, para que se possa ter uma formação sólida, é imprescindível que se tenha (ou se traga) pelo menos um caminho muito bem delineado.
“Eu ainda sou da opinião de que em alguma coisa você tem que ser ortodoxo. Em algum aspecto você tem que se prender e conhecê-lo à fundo. O que eu acho hoje, nesse leque em que a gente vive, nessa emergência em que a gente vive, é que tudo é muito ‘pingado’, entendeu? A Dança Moderna virou qualquer coisa que não seja o Clássico.” (Clarisse Abujamra)
“Quando algum bailarino diz que quer ser livre, ele nunca vai poder sê-lo sem técnica. Porque a técnica é libertadora. Quem tem técnica é que pode ser livre para criar. Quem não a tem se esborracha e ‘quica’. E isso não é liberdade, isso é falta de escola. (…) Você não entende o que a pessoa quer falar. E as pessoas não querem aprender a pronunciar as letras, é engraçado… como você quer dizer todos esses conceitos lindos seus, se você não sabe falar direito ainda? Você tem que aprender a falar, sílaba por sílaba. Na hora em que dominar isso, então vai compor uma frase, depois um parágrafo e mais tarde pode até compor um texto, percebe? Não dá para queimar etapas.” (Daniela Stasi)
Há atualmente uma constante confusão entre os termos “ESCOLA” e “ESTILO” e seus significados na Dança Contemporânea. Não é possível afirmar que a dança produzida na atualidade – Contemporânea, repleta de influências diversas e, por isso mesmo, de alto cunho autoral (“estilo”), tenha tido tempo para consolidar uma técnica estruturada e solidificada, uma “escola” de formação.
Portanto, no que tange a este aspecto em particular, pode-se dizer que esta tendência ainda seja composta por diversas escolas implantadas anteriormente, e que têm por finalidade a preparação corporal dos bailarinos. Desta forma, ao se deparar com uma aula de Dança Contemporânea, o que se pode esperar? ESCOLA ou ESTILO?
Certamente este pode ser considerado um questionamento polêmico. Todavia, não é o intuito deste trabalho apenas “criar polêmica”, mas sobretudo, buscar uma reflexão e tentar elucidar alguns aspectos fundamentais no processo de formação – de sala de aula – do bailarino e, quem sabe, futuro professor e futuro coreógrafo no Brasil.
Aliás, sobre a criação coreográfica, não caberia aqui propriamente qualquer julgamento de valor ou mesmo crítica num âmbito tão vasto, mesmo porque, o processo criativo é algo de natureza parcialmente independente, mas que compete única e exclusivamente àquele que o concebe. Parcialmente, porque é sempre possível verificar a presença de uma ou outra tendência (ou referência), muito provavelmente àquelas que compuseram a formação do criador, porém, neste ato, a regra principal deve, ou deveria ser, um exercício de total liberdade de pensamentos e concretização de idéias, inspirações e aspirações. Antes, o ponto fulcral deste trabalho é detectar o caminho percorrido pelo artista da Dança até a cena, perscrutar as técnicas abordadas no seu processo de formação e que compõem o seu vocabulário e repertório corporal.
Não percam a continuação deste trabalho na próxima semana!