A década de 1940 foi marcada pelo primeiro contato de uma personagem que viria a ser peça fundamental para o desenvolvimento da Dança Moderna no Brasil. Em 1° de outubro de 1946, à convite, assumiu a direção artística do corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a bailarina e coreógrafa de renome internacional, Nina Verchinina (1905?-1995).
Russa de nascimento e criada em Xangai, na China, durante a infância, ainda muito nova se interessou pela dança. Com a mudança de sua família para Paris, logo após a Revolução Russa de 1917, ela e sua irmã, Olga Morosova, puderam dar continuidade aos seus estudos numa cidade de altíssima produção cultural e intelectual, num momento histórico igualmente instigante, o início da década de 1920, quando eclodiam os movimentos artísticos de vanguarda. Seus estudos foram de Ballet Clássico, tendo como mestra Olga Preobrajenska (1870-1962), que havia sido estrela do Teatro Maiirinsky, de São Petersburgo. Durante uma aula, a coreógrafa russa Bronislava Nijinska (1891-1972), irmã do lendário Vaslav Nijinsky (1889-1950), em busca de novos elementos para a companhia de Ida Rubinstein (1895-1960), selecionou a jovem Nina Verchinina, que, em 1928, teve sua estréia como profissional. No ano anterior, 1927, “descobriu” Isadora Duncan e se encantou com a sua Dança Livre ao vê-la dançar em Paris. A morte de Isadora naquele mesmo ano a marcou profundamente, além de ter frustado seus planos de estudar com aquela figura que lhe causou tamanho encantamento e deixou intensas impressões.
Sua carreira como bailarina profissional foi deslumbrante. Tendo ingressado posteriormente na companhia do Colonel de Basil, o Original Ballet Russe, Nina teve contato com grandes artistas, inclusive coreógrafos, como Mikhail Fokine (1880-1942), George Balanchine (1904-1983) e Leonide Massine (1895-1979). Este último lhe conferiu memoráveis papéis de destaque, nos ballets “Les Présages”(1933), “Choreatium”(1933) e “La Symphonie Fantastique”(1936), que deram a Verchinina o título de “Bailarina Sinfônica”, além de fama mundial.
Dona de uma personalidade singular, grande inquietação e curiosidade artística, Nina procurou outras formas de expressão fora do Ballet Clássico e, em 1938, viajou para os EUA, onde esperava estudar com Martha Graham. Esta, por sua vez, percebendo o estilo bastante peculiar de Verchinina, não a aceitou como aluna, alegando temer influenciá-la demais e a encorajou a buscar seu próprio caminho. Após um período de observações e estudos, Nina Verchinina retornou ao Original Ballet Russe, onde deu vazão aos seus impulsos como coreógrafa. Sua primeira criação foi “Étude Choréographique”, que depois passou a se chamar “Quest”, em 1940.
Com o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a companhia do Colonel de Basil excursionou pelas Américas – do Norte, Central e do Sul – de 1940 a 1946. Nina se desligou da companhia em 1941, por problemas financeiros. Aproveitou para ficar primeiro em Cuba, período em que dançou na Ópera de Havana, depois nos EUA, para aprimorar ainda mais seus conhecimentos. Seu retorno ao Original Ballet Russe deu-se em 1946 no Brasil, para a terceira excursão da companhia ao país, ocasião em que criou as coreografias “Valse Triste” e “Yara”, muito bem recebidas por público e crítica.
Devido ao sucesso de seu inovador trabalho coreográfico, Nina Verchinina, em 1946, foi convidada para assumir os cargos de coreógrafa e “maître-de-ballet” do corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. O que deveria ter sido uma experiência magnífica, num sentido de expansão desta companhia, logo transformou-se num episódio malfadado e desgastante, para ambas as partes. Primeiramente, Nina, ao tentar introduzir suas concepções de trabalho, inclusive com o uso da técnica de “Barra ao Solo”, trazida da Europa para o aquecimento dos bailarinos, foi recebida com grande resistência, pontuada pela ignorância e pelo preconceito dos membros do corpo de baile. Junto a isso, somou-se a crise financeira que se abateu sobre a administração do Teatro, dificultando sobremaneira o andamento dos ensaios e a permanência dos bailarinos por falta de pagamento. A própria Nina Verchinina ficou sem receber durante meses a fio, chegando ao constrangimento de quase ter sido despejada do hotel onde residia. A despeito de todas as dificuldades e da situação ultrajante, ainda conseguiu montar um repertório e realizar uma apresentação para a imprensa em 1947. Mas a situação só fez piorar e, sem alternativa, em março de 1948, Nina Verchinina voltou para a Europa e, mais uma vez, juntou-se ao Original Ballet Russe em Monte Carlo.
*Artigo em 2 partes.