PIONEIROS NO BRASIL – VERA KUMPERA

3 de agosto de 2016

O final da década de 1940 ainda foi pontuado pela chegada em solo brasileiro da professora de origem tcheca, Vera Kumpera (1927 – 2007).

Formada em Educação Física, Vera teve seu primeiro contato com a dança na infância e, graças à boa condição financeira de seu pai, também a oportunidade de estudar numa escola de dança na cidade de Pilsen, situada a 48km de sua Klautov natal. Este “luxo”, segundo seu relato pessoal, só foi possível até o início da II Grande Guerra, quando a situação política e financeira na Europa alterou profundamente a vida de todos os seus habitantes. Filha de um legionário que serviu na Rússia durante a I Guerra e pessoa pública em seu país, Vera viveu num ambiente em que a política conturbada do período era uma realidade cotidiana e portanto, boa parte de sua rotina foi sendo tomada por isso. Por ter se afastado da dança durante a Guerra, Vera resolveu cursar Educação Física na universidade, com o intuito de dar vazão ao seu espírito ativo e seu perfil atlético. As dificuldades causadas pelo Regime Comunista em seu país, inclusive para finalizar seus estudos, a fizeram correr riscos para atravessar a fronteira e ir residir num campo de refugiados, até a sua chegada ao Brasil, em agosto de 1949.

Instalada em São Paulo, conseguiu trabalho como professora de Educação Física em colégios. Por intermédio de um contato feito com a embaixada norte-americana, conseguiu uma bolsa de estudos para o mestrado na Universidade de Columbia, em Nova York, no ano de 1952,  quando conheceu e se encantou pela técnica de Martha Graham. Nessa época, a própria Martha ministrava as aulas e Vera Kumpera, mesmo com as dificuldades corporais de tanto tempo afastada da dança, perseverou durante anos de freqüentes retornos aos EUA e à escola de Graham, para apreender os fundamentos daquela técnica tão complexa. Com efeito, não apenas ela conseguiu superar suas limitações, como foi a pioneira em trazer essa preciosa ferramenta de formação corporal para o Brasil.

Começou a ensinar a técnica num cômodo de sua residência em São Paulo. Mais tarde, em 1962, abriu sua escola na Avenida Paulista. Dentre suas primeiras alunas está Clarisse Abujamra (1947), que começou com Vera aos 15 anos e, aos 18, quando foi estudar na escola de Martha Graham em Nova York, passou da turma de iniciantes para a aula dos profissionais da companhia em apenas três meses. A formação de discípulos, a propósito, sempre foi o maior prazer de Vera Kumpera, que optou por não investir em uma carreira como bailarina:

 

            “Não, eu detestava isso, eu não me sentia muito bem. Eu dancei com Maria Duschenes, acho que dancei dois espetáculos com ela. Mas não me sentia bem, acho que fui feita para ser didática, uma professora, e gostava muito disso. Eu tive uma vida tão turbulenta, então acho que eu nunca iria ser uma grande bailarina. E eu não queria então gastar este tempo para ensaiar  e me preocupar em me apresentar. Meu maior prazer, ao invés de dançar, era formar as pessoas.”

 

            Além de Clarisse Abujamra, pela escola de Vera passaram inúmeros profissionais, que posteriormente seguiram os caminhos abertos pela técnica de Martha Graham no país, como Ruth Rachou (1927) e Penha de Souza (1937?). Por conta de suas visitas anuais aos EUA para se aperfeiçoar na técnica, Vera Kumpera fez grandes amizades e algumas delas ministraram cursos em sua escola, quando em visita pelo Brasil, como Alvin Ailey em 1963 e Paul Taylor em 1965.

Em 1966, Vera se mudou para o Rio de Janeiro, deixando sua filha, Vera Raiser, no comando da escola em São Paulo, que acabou fechando em 1972. No Rio, lecionou nas escolas de Yara Vaz e de Dalal Achcar, além de fazer aulas e dar um pequeno curso na escola de Nina Verchinina. Vera também fez alguns cursos de férias com Helenita Sá Earp, na Escola Nacional de Educação Física e Desportos.

No início da década de 1980, Vera se dedicou mais à sua família e ficou uma temporada sem dar aulas. Em 1988, aproveitando o espaço de sua casa em Cabo Frio (RJ), resolveu abrir um Spa, onde, além da alimentação saudável, oferecia aulas de ginástica com muitos elementos de dança e consciência corporal, o que muito agradou os seus frequentadores. Já desfeita do Spa, Vera Kumpera, que passou a usar seu sobrenome de solteira, Horakova, dividia seu tempo entre o Brasil e a República Tcheca, onde tinha família. Embora não lecionasse mais, dizia não perder um espetáculo de dança, principalmente de Dança Moderna, fosse no Brasil ou na Europa, como meio de estar sempre próxima de sua paixão.

Eu tive o privilégio e o prazer de conhecê-la e a entrevistar para a minha pesquisa, em 2004. Desenvolvemos a partir de então uma carinhosa amizade e, uma das maiores honras da minha vida, foi tê-la indicado para receber o seu “Life Achievement Award”, o Prêmio Antares de Dança, concedido à ela pela Antares Produções, durante a última turnê da Martha Graham Dance Company na América do Sul em novembro de 2005, quando a saudosa Vera Kumpera, introdutora da Técnica de Graham no Brasil, recebeu a sua homenagem numa inesquecível noite de gala no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Vera2Vera Kumpera Life Achievement Award

Fang-Yi Sheu (Principal Dancer da Martha Graham Dance Company), Vera Kumpera e Andrea Raw, em novembro de 2005 no Rio de Janeiro e Vera Kumpera recebendo das mãos de Maria Rita Stumpf, da Antares Produções, o seu Prêmio Antares de Dança.






Andrea Raw
Bailarina, Professora, Coreógrafa e Pesquisadora em Dança. Dançou extensivamente em festivais por todo o país. Graduou-se no Bacharelado em Artes Cênicas pela UNIRIO e em Docência dos Ensinos Fundamental, Médio e Superior pela UCAM. Começou a lecionar em 1992, destacando-se no ensino da Dança Moderna no Ballet Stagium, em São Paulo, Petite Danse, Escola Marta Bastos e Centro de Movimento Deborah Colker, no Rio e no MMS em Budapest, na Hungria. Formada pela Martha Graham School em NY, foi idealizadora e produtora dos Workshops de Técnica e Repertório de Martha Graham no Centro Coreográfico do RJ em 2009 e 2010, além de Workshops com David Parsons em 2010 e Ana Marie Forsythe, da Ailey School em 2011 e 2012. Idealizadora, Produtora e Diretora Artística do Congresso Brasileiro de Dança Moderna, realizado anualmente a partir de 2011.

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2 Comentários

em 8 de August de 2016

Andrea,
adoramos ler a sua a reportagem, me emocionei com as fotos também. Parabéns !
Obrigada por fazer nos lembrar da querida Vera e da historia da dança moderna no Brasil.

    em 12 de August de 2016

    Um grande prazer, Vera! Sua avó foi uma pessoa absolutamente admirável!
    Um grande abraço!



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